(Foto:celine)
"A ESTRELA
Eu caminhei na noite
E entre o silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava.
Grandes perigos na noite me apareceram:
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
Duma cidade a néon enfeitada,
A minha solidão me pareceu coroa.
Sinal de perfeição em minha fronte.
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era dum ferro
Tão pesado, que toda me dobrava.
Do frio das montanhas eu pensei:
«Minha pureza me cerca e me rodeia».
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu.
E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram:
Pedi às pedras do monte que falassem
mas elas como pedras se calaram.
Sozinha me vi, delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava.
E eu caminhei na noite; minha sombra
De gestos desmedidos me cercava
Silêncio e medo
Nos confins dos desertos caminhavam:
Então vi chegar ao meu encontro
Aqueles que uma estrela iluminava
E assim me disseram: «Vem connosco
Se também vens seguindo aquela estrela».
Então soube que a estrela me seguia.
Era real e não imaginada.
Grandes e humanas miragens nos mostraram
Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava.
E eu espantada vi que aquela estrela
Para cidade dos homens nos guiava.
E a estrela do céu parou em cima
duma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha o mesmo tom que a cinza
Longe do verde-azul da Natureza."
(Sophia de Mello Breyner Andresen)