quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

VÉSPERA DE CONSOADA



(Foto: celine)


"Numa noite em que nasciam
crianças aos milhares
e outras morriam sem assitência médica
e outras morriam brincando com bombas
e outras morriam esmagadas
por fugitivos automóveis;
numa noite de Inverno,
numa noite de névoa
sobre os barcos sem equipagem junto ao rio;
numa noite de ruas desertas e casas fechadas
aos que andavam perdidos e sozinhos,
três poetas sentaram-se a uma mesa
e decretaram a paz e a alegria.

E decretaram a paz
para os que, cabelos soltos nas mãos das noites frias,
viviam na cidade onde agora estavam,
respiravam o mesmo ar
 e liam as mesmas notícias dos jornais.
E decretaram a paz
para os que tinham
os olhos riscados pelos dedos do medo.

E decretaram a paz
para os que traziam
a angústia dos dias misturados no sangue.
E decretaram a alegria
para as crianças que estavam nascendo em todo o mundo.
E decretaram a alegria
para as jovens que sentiam os seios despontar.
E decretaram a alegria
para as mulheres que eram mães.
E decretaram a alegria
para todos os seres.

Foi então que Jesus Cristo
nascido há quase mil
novecentos e sessenta anos,
sorriu no céu que cobria a mesa
onde três poetas se tinham sentado
para decretar a paz e a alegria."

("O Natal dos Poetas", de António Rebordão Navarro, in Natal...Natais Oito Séculos de Poesia sobre o Natal - Antologia de Vasco Graça Moura) 

 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021







(Fotos: celine)


Largados pelas ruas.
Perdidos, da sua função.

Achados, noutras luas;
arrimados em nova condição.

Que se espera de 
um carrinho de compras...






 

terça-feira, 21 de dezembro de 2021


SOLSTÍCIO DE INVERNO







(Fotos e edição: celine)


"(...) Não é só dote da natureza a formosura, senão também a fealdade: não só as grandes forças, senão a fraqueza; não só o agudo entendimento, senão o rude; não só a perfeita vista, senão a cegueira; não só a saúde, senão a enfermidade; não só a larga vida, senão a breve. (...)"

(Padre António Vieira, Sermões do Advento, do Natal e da Epifania)

 

(Foto: celine)


"Rose, eût-il fallu te laisser dehors,

chére exquise?

Que fait une rose là où le sort

sur nous s'épuise?

Point de retour. Te voici

quei partages

avec nous, éperdue, cette vie

qui nést pas de ton âge."


(Les Roses - Rainer Maria Rilke)


 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021



MEMÓRIAS NUMA CASA VAZIA (I-VII)

(narrativa visual)

 

Uma fotografia é, de qualquer modo, um registo pro memoria

O fotógrafo, ou quem faz as vezes dele, regista factos ou actos que observa, que podem ser vistos e revistos incontáveis vezes. Já a memória dilui-se, esfuma-se, enevoa-se, confunde-se... e, assim, se vai perdendo no decurso do tempo.

As imagens da memória dificilmente serão uma reconstrução da realidade dos factos e ou dos actos, de algum modo, vividos; na maioria das vezes, não passam de uma névoa, um borrão, uma figura indistinta...Um entrever de factos e actos que, por causa dessa imprecisão, pode revelar-se uma ficção de algo que acreditamos ter ocorrido como nos lembramos.

Ora, uma narração é uma exposição de factos reais ou fictícios. E com o acto fotográfico não se documenta apenas um facto, fixa-se, também, uma memória, que se vai (re)compondo em narrativa na nossa mente. 

"Nós somos capazes de raciocinar através de imagens e são essas imagens que constituem a nossa mente", observa o neurocientista António Damásio no programa "Deus Cérebro", que passou recentemente na RTP2.

E como é que se conta uma história através de imagens? Uma narrativa visual, que seja idónea a percepcionar emoções - pelos jogos de luz, de cores, de movimentos, ou por um qualquer artifício da técnica fotográfica?...

Como seleccionar e organizar as imagens de forma coerente, reveladora de uma identidade visual e que, simultaneamente, faça sentido e conte uma história - ou que motive o seu leitor a pensar numa história.

"Se exceptuarmos o campo da Publicidade, em que o sentido só deve ser claro e distinto em função da sua natureza mercantil, a semiologia da Fotografia está, pois, limitada às execuções admiráveis de alguns retratistas. Quanto ao resto, quanto ao conjunto das «boas» fotos, tudo o que podemos dizer é que o objecto fala, induz, vagamente, a pensar. (...) No fundo, a Fotografia é subversiva não quando assusta, perturba ou até estigmatiza, mas quando é pensativa.", (Roland Barthes, A Câmara Clara (Nota sobre a Fotografia), Edições 70, Novembro 2019, pp. 45-47).

Como atribuir um significado comum e dinâmico a uma justaposição de fotografias isoladas, definindo, assim, o «fio condutor» de uma narração visual?

Não sei responder exactamente às questões formuladas, mas a proposta que, aqui, se apresenta é um ensaio de narrativa visual pelo acto fotográfico - e que, talvez, faça pensar em alguma coisa...


(Fotos: celine)








 

sábado, 13 de novembro de 2021

(Foto: celine)

 

"Todos nós nascemos loucos. Alguns permanecem." (Samuel Beckett)


Segundo o fotograma do filme "A Estrela do Mar" (1928), de Man Ray.

Um mestre, incontornável, que afirmou ser a fotografia "uma maravilhosa descoberta dos pormenores que, sem ela, a nossa retina nunca poderia registar".

Este fotograma remete-nos para um arquivo onírico, em que o improvável dos sonhos (o surrealismo do subconsciente...) se pode revelar (e registar!) na realidade, e aqui através da fotografia - uma imagem descomplexada, aberta à leitura e interpretação, sem contudo, com ela se confundir.

E, nesta perspectiva, todas as imagens (aqui, fotográficas, já se vê) contêm sempre algo de espantoso, de extraordinário ou de extravagante e, por vezes, de belo. Ou de loucura...

"I Am Greta     à solta na internet"



(Foto: celine)

A colagem de cartazes não pretenderá constituir ArTe, arte social - pese embora, a técnica mista que utiliza colagens.

E provavelmente quem faz colagens de cartazes publicitários apenas se inspira no pragmatismo do espaço disponível para o formato do cartaz.

A arte é plástica, na diversidade de conceitos e ela própria conceptual. 

Será o acto de criação do artista, mais ou menos consciente da aptidão artística, ou melhor, da plasticidade artística da obra criada, ou da criatura.

Mas será, para além disso, também um modo de ver. De ver como as coisas se encaixam no mundo, como se envolvem no ambiente - natural, social, cultural - revelando-se, por vezes, de modo natural, sem pré-conceito, sem premeditação.

E quem olha a criação, pode sempre descobrir naquele acto natural um outro sentido artístico.

ArTe será, igualmente, um modo de ver - vidé "Modos de Ver", de John Berger.


quinta-feira, 26 de agosto de 2021

(Singelo tributo a Maria Callas)


(Foto: celine)



"Por então também a virgem visitada,
a que para o fruto foi despertada,
tímida, bela e assustada, era amada.
A que floria, a não descoberta,
em que mil caminhos têm porta aberta.

Deixaram-na passar e pairar
e mover com o jovem ano que vivia;
a sua útil vida de Maria
tornou-se soberana e sem par.
Como festivo som de sinos a tocar
a todas as moradas se ampliava;
e a outrora menina a se alhear 
tão absorta em seu seio estava
e tão preenchida por aquele ser a despertar
que assim para mil bastava,
que tudo brilhava para a iluminar,
sendo uma vinha que transportava."

(Rainer Maria Rilke, "Primeiro Livro - Livro da Vida Monástica", poema 31, in O Livro de Horas)

 

terça-feira, 24 de agosto de 2021


(Foto e edição: celine)


"O SOM DO VINHO


O som que envazo do vazo do vinho que bebo,
O vinho que bebo ao teu som,
O vinho que é vinho e bate assim sedento... de tão bom.
O vinho que é a música do mundo quando toca um brando rubor verde,
O vinho que é minha música quando toca mais pesada,
Que é [tinto] e é pedra da calçada. 
E é som e é verso,
É uma estrofe de garganta desafinada,
Quando é demais é loucura infamada...
E ainda assim... eu bebo,
Sorvo,
Cheiro,
Gargarejo,
Bebo mais e toco-me para ver realmente se me vejo,
Se me sinto
Se me amo
Se me bebo
Se me nasço
Se me cresço
Se me percebo.
E,
Assim sem mais nem menos... acaba como os demais
Acaba porque não me encheste mais a vida
Acaba porque não me encheste mais o verbo difamado
Acaba porque é bom é curto é som...
... É Fado."


(Guilherme Rebelo in Do Mosto à Palavra, pãg. 93-94)




 

terça-feira, 6 de julho de 2021

 

(Foto: celine)


"(...) No comboio vinha a pensar em como seria bom seria bom se houvesse algum sítio onde pudéssemos mandar limpar e restaurar a cabeça. Cortá-la - bem, talvez isso fosse um bocado violento. Apenas separá-la do corpo e entregá-la num hospital universitário, como se fosse uma trouxa de roupa suja. "Trate-me disto, por favor", diríamos. E a restante parte de nós passaria calmamente três ou quatro dias ou uma semana a dormir enquanto o hospital tratava de fazer uma limpeza à nossa cabeça e deitar fora o lixo. Sem voltas na cama nem sonhos. (...)" 

(Yasunari Kawata, O Som da Montanha)



(Foto:celine)


"Podes interrogar a papoila
mas a papoila
nada responde"


(José Tolentino Mendonça, "A Papoila e o Monge" in A Noite Abre Meus Olhos)


 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

(Foto: celine)

"AS TRÊS PARCAS


As três Parcas que tecem os errados
Caminhos onde a rir atraiçoamos
O puro tempo onde jamais chegamos
As três Parcas conhecem os maus fados.

Por nós elas esperam nos trocados
Caminhos onde cegos nos trocamos
Por alguém que não somos nem amamos
Mas que presos nos leva e dominados.

E nunca mais o doce vento aéreo
Nos levará ao mundo desejado
E nunca mais o rosto do mistério

Será o nosso rosto conquistado
Nem nos darão os deuses o império
Que à nossa espera tinham inventado."

(Sophia de Mello Breyner Andresen in Obra Poética I)


 

sexta-feira, 23 de abril de 2021

(Dia Mundial do Livro)

(Foto: celine)

    "Como um painel, soerguendo-se da névoa marinha, um busto vermelho, carcomido, a boca hiante, de um mistério vazio. A meus pés, um exército de formigas-negras procura, num árido frenesim, o caminho para a pedra. A orla branca de espuma, as vagas que rolam violentas, impedem o acesso do negro exército de insectos. 
    Quem poderá escutar da boca daquela divindade algo para além da sua mudez de morte? O seu frio eco trespassa-me de horror, a distância perdida torna-se fúnebre. As máscaras encobrem em vão o inexorável.
    «Onde está a esperança?», alguém grita ou seria apenas o amplo espaço que flamejara? Era um esplendor cruel e o grito, se alguém gritara, logo fora varrido pelo vento. Alguém no entanto gritara: «Não feches o livro». Respondi: «Virei todas as páginas sem encontrar a esperança.» A voz pronunciara ainda algumas palavras de um além da bruma: «A esperança é talvez o livro.»
    Cansara-me de fitar a carcaça da pedra vermelha, olhos e boca abertos por onde entravam o sol e a água. A tenacidade da ruína muda aterrorizava-me. Mas além da bruma eu ouvia a voz de uma possível esperança. Era preciso atravessar a inexorável claridade e procurar na tarde a merenda que me desse o alento para prolongar o livro. As folhas escritas pesavam sobre o dorso direito; as folhas brancas curvavam o ombro esquerdo. Desejava libertar-me das primeiras, como de um fardo, mas as outras, na vertigem do possível, tornam a marcha ébria, de um vagabundo prenhe do murmúrio de todas as palavras que um dia seriam o Livro, que já o eram no passo ligeiro em que caminhava através da bruma."

(António Ramos Rosa, "A Esperança do Livro" - "Quando o Inexorável" in Antologia Poética)



 


sábado, 6 de março de 2021

(Foto: celine)

A palavra é curva Nunca atinge
o alvo Só o silêncio
é recto
Mas a chama de um e de outro
limpa a lepra do tempo
e descobre a fonte branca
como o desenho latente que na página respira".

"António Ramos Rosa in "LÂMPADAS COM ALGUNS INSECTOS")

 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

DE ONDE VEM A COR? (VII)

(Foto: celine)


"As grandes searas
sacudirão a crina,
a luz de setembro
tombará dos olmos,
a espuma do vinho
extinguir-se-á
como lume breve - 

só então a neve..."

(Eugénio de Andrade, "Antes da Neve" in Ostinato Rigore)





 

domingo, 21 de fevereiro de 2021

(Foto: celine)


"I cried when the moon was murmuring to the birds:
'Let peewit call and curlew cry when they will,
I long for your merry and tender and pitiful words,
For the roads are unending, and there is no place to my mind. '
The honey-pale moon lay low on the sleepy hill,
And I fell asleep upon lonely Echtge of streams.
No boughs have withered because of the wintry wind;
The boughs have withered because I have told them my dreams.

I know of the leafy paths that the witches take
Who came with their crowns of pearl and their spindles of wool,
And their secret smile, out of the depths of the lake;
I know where a dim moon drifts, where the Danaan kind
Wind and unwind their dances when the light grows cool
On the island lawns, their feet where the pale foam gleams.
No boughs have withered because of the wintry wind;
The boughs have withered because I have told them my dreams.

I know of the sleepy contry, where swans fly round
Coupled with golden chains, and sing as they fly.
A king and a queen are wandering there, and the sound
Has made them so happy and hopeless, so deaf and so blind
With wisdom, they wander till all the years had gone by;
I know, and the curlew and peewit on Echtge of streams.
No boughs have withered because of the wintry wind;
The boughs have withered because I have told them my dreams."

(William Buttler Yeats, "The Withering of the Boughs" in Os Pássaros Brancos e outros poemas)



 

 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

 DE ONDE VEM A COR? (VI)

(Foto: celine)

"Ligeira sobre o dia
ao som dos jogos,
desliza com o vento
num encantado gozo.

Pelas praias do ar
difunde-se em prodígios.
Tudo é acaso leve,
tudo é prodígio simples.

Pequena e magnífica
no seu amor volante
propaga sem destino
surpresas e carícias.

Pátria, só a do vento
de tão subtil e viva.
Azul, sempre azul
em completa alegria."

(António Ramos Rosa, "Mediadora do Vento" in Antologia Poética)


(Foto: celine)

"NEVER GIVE ALL THE HEART, for love
Will hardly seem worth thinking of
To passinate women if it seem
Certain, and they never dream
That it fades out from kiss to kiss;
For everything that´s lovely is
But a brief, dreamy, kind of delight,
O never give the heart outright,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their hearts up to the play.
And who could play it well enough
If deaf and dumb and blind with love?
He that made this knows all the cost,
For he gave all his heart and lost."

(William Buttler Yeats in Os Pássaros Brancos e Outros Poemas)

 

sábado, 13 de fevereiro de 2021

(Foto: celine)

"Num ponto qualquer 
sensualmente subtil
algo que antes não servia para nada
irradia agora habitada surpresa."

(António Ramos Rosa, "Dinâmica Subtil" in Antologia Poética)

 

 

(Jardim Mahatma Gandhi - Lisboa
Foto: celine)


"Quem conhece os outros é inteligente.

Quem se conhece a si próprio é esclarecido.


Quem vence os outros é forte.

Quem se vence a si próprio é poderoso.


Quem se contenta com o que tem é rico.

Quem avança com determinação, tem força de vontade.


Quem não abandona o seu lugar perdura.

Quem morre sem desaparecer vive uma longa vida."


(Lao Tse, Livro do Caminho e do Bom Caminhar)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

DE ONDE VEM A COR?(V)


(Foto: celine)


"Laranja, peso, potência.

Que se finca, se apoia, delicadeza, fria abundância.

A matéria pensa. As madeiras

incham, dão luz. Apuram tão leve açúcar,

tal golpe na língua. Espaço lunado onde a laranja

recebe soberania.

E por anéis de carne artesiana o ouro sobe à cabeça.

A ferida que a gente é: de mundo

e invenção. Laranja

assombrosamente. Doce demência, arrancada à monstruosa

inocência da terra."


(Herberto Helder, "Última Ciência", v.3-§9, in Ofício Cantante) 
 

 (Jardim Quinta da Paz - Lisboa
Foto: celine)

É importante ter uma
Casa no Lago,
para abrir intrepidamente
janelas e portas:
e a brisa fresca enxotar dos cantos abafadiços
as teias da melancolia,
e enforcar nas respeitáveis árvores
os pensamentos indignos,
e empurrar ao tropeço nas nodosas raízes
o tem-tem da dúvida,
e arriar no encanto do jogo de sombras
a opressão da angústia,
e afogar no marulho da água
o peso das mágoas,
e prender no limbo lacustre
os caninos da raiva...
Por estas e outras coisas,
é fundamental ter uma
Casa no Lago.

sábado, 30 de janeiro de 2021

DE ONDE VEM A COR? (IV)

(Foto: celine)

 

"Onde a lira triste que segue a flauta repentina?

Por veredas infindáveis, onde florescem cerejeiras, num cais de salgueiros curvados.

A Senhora da Casa Leste envelhece e ninguém a ama.

O sol branco ao meio-dia, o último mês da Primavera quase a findar.


A Princesa Li-yang tem catorze anos.

Quando o dia refrescar, depois da Festa da Chuva, um encontro junto à sebe

Regressa a casa, volta-te na cama até à quinta hora.

Duas andorinhas, nos beirais, ouvem o longo suspiro."


(Li Shang-yin, Chuva na Primavera e Outros Poemas)


(Foto: celine)


"Atravessei contigo a minuciosa tarde
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto

folhas tremiam
ao invisível peso mais forte

Podia morrer por uma só dessas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate"

(José Tolentino Mendonça, "A Estrada Branca" in A Noite Abre Meus Olhos)

 

sábado, 23 de janeiro de 2021

  DE ONDE VEM A COR? (III)


(Fotografia: celine)

"(...)
O azul não canta, a água morre
na mais secreta boca do teu corpo.

Aqui não brilha a terra, a luz é fria,
aqui o horizonte não respira.

Não havia vento: só medo e cobardia."

(Eugénio de Andrade, "Espadas da Melancolia" in Ostinato Rigore)

 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

(Fotos: celine)

"(...)
De ti, tão intelectual, amigo dos velhos e das crianças, dos regatos e das borboletas, do sol e dos cães, das flores e da lua, paciente e reflexivo, melancólico e amável, Marco Aurélio dos prados...
Platero, que sem dúvida compreende, olha-me fixamente com os seus grandes olhos brilhantes, de uma serena firmeza, onde o sol brilha, diminuto e refulgente, num breve e convexo firmamento negro. (...)"

(Juan Ramón Jiménez in Platero e Eu)

 

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

  DE ONDE VEM A COR? (II)

(Foto: celine)

"Dias pensando-se uns aos outros na sua seda estendida,
inteligentes para dentro do que há nos dias:
faíscas do ar, o ar braço a braço,
e no meio dos braços, no mais compacto
da claridade e da carne: o sangue que entra e sai por um lento
canal negro."

(Herberto Helder, "Do Mundo" in Ofício Cantante)