segunda-feira, 7 de outubro de 2024


Cinzas

07/10/2024

 
(Foto e edição de imagem: celine)


 "(...)

Tu mar!, também a ti me rendo - adivinho o teu sentido,

Da praia observo os teus dedos curvos e convidativos,

Creio que te recusas a regressar sem me teres em ti,

Devemos estar juntos algum tempo, dispo-me, leva-me depressa para longe da terra,

Aconchega-me suavemente, embala-me na tua sonolenta ondulação,

Bate-me com a tua amorosa água, posso retribuir-te.

Mar de grandes vagas espraiadas,

Mar de ampla e convulsiva respiração,

Mar do sal da vida e dos túmulos por cavar mas sempre abertos,

Mar que brames e esculpes as tempestades, mar caprichoso e sublime

Fundo-me contigo, também sou de uma e de todas as fases.

Participante do fluxo e do refluxo sou, exalto o ódio e a reconciliação,

Glorifico os amantes e os que abraçados dormem.

(...)"

(Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo)

domingo, 6 de outubro de 2024

Centenário de Nascimento

07/10/1924  *  07/10/2024

(Edição e montagem de imagem: celine)



De pontas polidas, um tira-linhas desenhou -
pelos traços cursivos dos dias – a rectilínea da tua vida -
num alçado simples, com adornos de alegria,
relevos de tristeza – sem pretensões;
mas nem por isso
menos talhada, menos fendida,
que pela singularidade de uma vida humana.
(E as palavras necessárias,
pedras cravadas nesta estéril pena!...)
Obedecendo à forma da mãe
em flores coroada, barrando os caminhos;
mas os ramos sanificados pela esposa colhidos.
Num sopro de vida à terra-mãe lançado,
por uma mirada invertida,
moldaste uma cefeida fora do universo.
(E as palavras necessárias, pedras
embotadas nesta estéril pena!...)
De negra tinta-da-china mancharam-se os últimos anos…
À escala de um compasso torcido,
em esquadrejada crispação do andante,
sulcaram-se penosos momentos,
cotas de angústia, pelo estilete do fado…
E renascia a criança desligada do corpo
que inexoravelmente a subvertia.
(E as palavras necessárias,
pedras obtusas nesta estéril pena!...)
Na talha dos dias derradeiros,
sob a gárgula das lágrimas, da desesperança,
à espera, sempre à espera,
da cefeida regressada de arquétipos jazentes,
para o cenário da ruína da vida,
que é a morte.
Hoje, na aguarela verde e azul em que mareia
o teu antolhado barril, eu vejo fundear
as jubilosas cinzas do que foste.
(“Bate-me com a tua amorosa água, posso retribuir-te.
Mar do sal da vida e dos túmulos por cavar mas sempre abertos,”) *

Na lonjura do esquadro céu terra mar,
é, de ora em diante, na incomensurável espuma quântica
que flutua sempiterna a memória de ti (Pai).


*Walt Whitman, Canto de Mim Mesmo

quinta-feira, 20 de junho de 2024

 SOLSTÍCIO DE VERÃO III

(Foto: celine)

"Casámo-nos as duas num Verão - querida -
Tua Visão - em Junho -
E quando a curta Vida Te falhava,
Também - eu me cansava com - a minha -

E ultrapassada pela Escuridão - 
Onde me abandonas Tu -
Também - eu - recebi o Sinal -
Por Alguém que levava uma Luz -

Sim - Diferentes o teu Futuro e o meu -
A tua Casa - olhava para o sol -
E rodeando a minha - a toda a volta - 
Só o Norte e Oceanos - nada mais

Sim, o Teu Jardim, o primeiro a Florir,
Enquanto o meu - de Orvalho - costurado -
Porém, um Verão, fomos ambas Rainhas -
Mas Tu - em Junho foste coroada -"

(Emily Dickinson in Duzentos Poemas)


 SOLSTÍCIO DE VERÃO II

(Foto: celine)

"O Sol era poente - e mais - poente -
Mas nem Cor da Tardinha - 
Eu via sobre a Vila, pois só de Casa
Em Casa era alto dia - 

O Crepúsculo caía - e mais - caía - 
Mas na Erva nem Orvalho - 
Somente em minha Fronte ele parava -
E vagueava pela minha Face -

Os meus Pés dormitavam - dormitavam -
Mas os dedos, despertos - 
Porquê, porém, em tal silêncio - Eu
Ao meu próprio -  Semblante?

Antes, que bem a Luz eu conhecia - 
Eu via a luz agora - 
É Morrer - o que faço - e todavia
Não sinto medo algum de conhecer -"

(Emily Dickinson in Duzentos Poemas)


 SOLSTÍCIO DE VERÃO I


(Foto e edição: celine)

"DAI-ME O SOL

Dai-me o sol das águas azuis e das esferas
Quando o mundo está cheio de novas esculturas
E as ondas inclinando o colo marram
Como unicórnios brancos."

(Sophia de Mello Breyner Andresen in Antologia Poética I) 


segunda-feira, 22 de abril de 2024

  DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERRA II


(Fotos e edição de vídeo: celine)


"(...)
O muro basta-me para conter a sede.
A terra dá-me a certeza da sua vontade, o seu pão de pedras.
A fronte recebe o vento.
Vivo devorado de espaço, aberto à luz, como um tronco a que uma cabeça assoma,
voltada ao horizonte.
(...)"

(António Ramos Rosa in "Sobre o Rosto da Terra")


 DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERRA I


(Fotos e edição de vídeo: celine)


"No entardecer da terra
O sopro do longo Outono
Amareleceu o chão.
Um vago vento erra,
Como um sonho mau num sono,
Na lívida solidão
(...)"

(Fernando Pessoa in "No Entardecer da Terra")


Comemora-se, a 22 de Abril, o Dia Internacional da Mãe Terra ou, simplesmente, Dia da Terra, que foi inaugurado em 1970, a partir de um movimento organizado por Gaylord Nelson tendo sido instituído pela ONU em 2009, para relembrar as preocupações com o meio ambiente pela inacção sobre as alterações climáticas.
Na filosofia chinesa, a Terra tem a cor amarela. Aqui, o tom amarelo das fotografias pretende, antes, apelar às «doenças» de que o ambiente sofre e que transmudam o clima, as paisagens e, consequentemente, a qualidade de vida de todos os seres terrenos.