segunda-feira, 30 de maio de 2016

(Foto: celine)

a sofística demência do poeta
expulsa-me da alma o sonho anunciado
e o poema cala-se-me na boca desiludida;
o presente é agora um feixe de folhas
brancas, sufocadas em palavras despidas
- talvez o verso ‘inda se acuse,
por entre as estrofes magoadas
ao encontro da rima arrependida,
que absolva as reticências glosadas
no capricho nietzschiano do poeta

ó musa cuspida no não sentido da palavra
inquieta!
não me renuncies ao silêncio do mote acidulado!
recria-me agora no corpo das letras abandonadas!
reedita-me logo na alma do verbo amargurado!
até que eu sangre os poemas melífluos
que me estrangulam as artérias do desejo!
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ou até que o poeta volte,
para me beijar a imortalidade da loucura, 
para me morder a esdrúxula angústia volvida,
para me lamber o silêncio ferido da flor,
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não me digas adeus, poeta!
não na minha boca! 

a noite toda,
a pluma aluada na tinta do licor,
na espúria da tenção traída,
inscreve-me, assim, a Poesia

segunda-feira, 9 de maio de 2016



(Edição de foto: celine)

"Levaram-me para casa do meu noivo
mas o meu desejo de o conhecer
permanece por realizar
e os dias da minha juventude
desvanecem-se como um sonho

Cinco homens construíram o palanquim
Outros três escolheram a data mais auspiciosa
Os meus amigos cantaram o hino nupcial
A minha confidente aplicou-me na testa
a pasta de açafrão da alegria e da pena
Mas o meu desejo de o conhecer
permanece ainda por realizar

Com cerimónias coloridas
teve lugar o casamento
O meu pai atou o meu lenço
às vestes do noivo
no altar que o meu irmão construíra

Desde o início
que estou só e desamparada
O meu amado permanece indiferente
Nunca o encontro
Nunca tive um vislumbre
do seu rosto
Iludi-me
Pensei que era uma mulher casada
Os dias da minha juventude
desvanecem-se como um sonho
e o desejo de o encontrar
permanece por realizar

Lançar-me-ei
viva
na pira do amor
Atravessarei o oceano
ao som de um tambor
Para conseguir unir-me
com o meu amado"

(Kabir, O Nome Daquele Que Não Tem Nome - poeta indiano, 1ª metade séc. XV)