«É a única coisa que faz sentido,
amar alguém seja como for.»
(resposta da Noiva (Monica Belluci) a Kosta
(Emir Kusturica), que lhe perguntara porque
se esforçava ela tanto por ele - Via Láctea, de
Emir Kusturica)
Depois de prestesmente despejada das entranhas maternais, venho umbigando nos meus duplos seres e sentidos nesta encruzilhada da existência.
Mas o que é "existência", mercadoria posta à venda na banca das realizações humanas como bem de apreciável valor?...
Que propósitos são os atributos dessa existência - desde o vómito que fui - e que valham o peso de um nobre metal, acima da cotação do elemento químico que me insufla os pulmões?...
E eu que fui uma filha tão desejada! Um tormento de cuidados para que eu nascesse, como se encarregue viesse de uma missão imperiosa e inalienável!
Nasci. Depois de uma noite a fazer tambor do ventre de minha mãe, nasci ansiosa.
Tão ansiosa vinha que nem pedi licença; simplesmente escorreguei pelas pernas quentes de minha mãe.
Paz. Tranquilidade. Sexo.
Não sei em que notas musicais se toca a melodia harmoniosa de paz e sexo.
Sexo. Identidade. Sexo. Identidade.
Uma perturbação - com nalgadas na moral - hoje tão longínqua que confunde-se com a memória do EU, e que oculta-me o sentido do SER.
(quem sou eu? o que faço aqui?)
Viajar. Respirar. Compreender.
Viagens. O (re)encontro do EU em culturas diametralmente diferentes, em lugares intemporais, com gentes impensáveis...
Regresso à minha raiz, com um olhar estrangeiro para perceber a essência do SER - a essência do MEU ser.
Mas o que é "essência", perfume que orienta as inclinações da mente, do espírito, na brisa dos dias, no vento dos anos?
(mas quem sou eu?... mas o que faço aqui?...)
Eu não fodo. Bamboleio o corpo na vertigem do desejo. E é esse o meu crime de lesa dignidade.
Essa (outra) síndroma vertiginosa alimenta-me e mata-me - uma viúva negra do amor...
(e são já tantas as reticências!...)
Lembras-te, amor?
Vieste excitadamente pressuroso, num final de tarde, num final de Setembro. Entraste em mim como um ferro em brasa e dilataste-me a essência, no streap-tease da minha alma, e o meu corpo, em compaixão pela alma, libertou-me da conspiração de umas férias malditas.
Invadiu-me uma leveza, tão sustentável, que eclipsou o tempo e o lugar do modo como nos encontrávamos. Só se confessaram o tempo e o lugar do triângulo minado pelos nossos enganos.
E agora onde estás tu, amor?
Por que outras geometrias minadas te (a)traíste, amor?
Porque é que não vens, amor?
O prazer foi o leitmotiv de cada minuto, no corpo a corpo... mas a compaixão insultou o desejo.
Vingança. Vingança. Vingança.
De repente, o mar (origem da vida!?)...
... não sei porquê... uma dulcíssima brisa da terra para o mar... uma imensidão de sentidos inundando-me, pelos olhos adentro... uma vontade de abrir o corpo às ondas, sorver-lhes o sal...
Ó mar azul e profundo,
salga-me, salga-me a alma,
que nada se iguala no mundo
às tuas águas que acalmam!
Mas o mar que seduz é o mar que mata.
Bondade. Cólera. Mito de Poseidon.
E resta um corpo exangue, molhado, vazio pela abstinência de intimidade, mas lúcido na catarse do desengano.
(mas quem realmente sou eu? o que realmente faço aqui?)
Uma cosmologia selvagem, que atrai o corpo para o abismo da alma sombria, e que, de tempos a tempos, hipnotiza inexoravelmente numa espiral de ilusões.
Prazer. Violência. Dor.
É este o algoritmo constante na equação catatónica da minha vida.
Abeira-te da janela da tua mirada.
Encavalita nessa tua penca egocêntrica o óculo da lucidez.
Olha... o que vês?
Uns Áfricos resilientes, atemorizadamente soprados à bolina para sepultarem-se em sonhos mediterrânicos...
A Levante, desmoronam-se lugares a golfar de artérias artilhadas de cadáveres da sobrevivência...
Os Jardins das Hespérides convulsionando sobre os passeios públicos, aterrorizados restos de existências...
Um despótico poder errando pelos escuros e sinuosos corredores de um funcionalismo inconsequente e sinecurista...
Umas caricaturas grotescas de paladinos da democracia ululando jocosamente pelas divisões da casa de Témis...
Desamor. Desamor. Desamor.
Nesta nova (des)ordem mundial há espaço para a apologia das palavras (ah! as bem ditas palavras!): da palavra do ano, da palavra-chave, da palavra-engano,
políticas acidentadas
| |||||||
vesúvio da razão
| |||||||
corrupção do vigor
| |||||||
cinismo das paixões
| |||||||
apostasia do bom senso
| |||||||
desastre do amor
| |||||||
arcaísmo da cultura
| |||||||
banalização do desejo
| |||||||
interesses armadilhados
| |||||||
leis disfuncionais
| |||||||
polissemia do corpo
| |||||||
demissão do pensamento
| |||||||
tecnologia do sacrifício
| |||||||
elogio do absurdo
| |||||||
cataclismo da paz
| |||||||
colapso da humanidade
|
O corpo troça desta mundanalidade - que excita-se na carícia masturbadora do materialismo espojado no chienlit da economia de mercado; que fornica implacavelmente no hardcore do terrorismo e da guerra; que geme no báratro do desastre do amor perpetrado pelo cinismo das paixões.
Perdição. Medo. Desespero.
Na mise en scéne desta indigência de felicidade, o sexo redime-se no altar em que é sacrificada a polissemia do corpo.
O corpo, essa carcaça de deleite, liberta da alma um riso de Mefistófeles. E a alma, assim expurgada pelo abandono do corpo, apostata na remissão da tristeza, e vingam-se ambos da mundanalidade abjecta.
Desvio do golpe. Desamor. Desvio do golpe. Desamor.
Se não consegues evitar, corrigir, um erro, recria-o, reinventa-o em algo ainda apreciável; mas apreciável para o Outro, para além de ti.
(quem pretenderei eu ser?... o que pretenderei aqui fazer?...)
Silêncio. Silêncio. Silêncio.
Silêncio, sim...
Não!
Ouço uma voz... em cantilena psicadélica...
sorrisos
|
bonitos,
|
beijos
|
felizes
|
sorrisos
|
bonitos,
|
beijos
|
felizes
|
sorrisos
|
bonitos,
|
beijos
|
felizes
|
(raios te partam, tristeza!)
Sem comentários:
Enviar um comentário