sexta-feira, 29 de janeiro de 2016



 
 
 
Anoiteceu na minha cabeça.
 
Só a luz artificial da noite é que ilumina o meu rosto. Mas à volta é tudo escuro como breu.
 
A minha alma deambula pelas vielas tortuosas e escuras do pensamento.
Calcorreia as esquinas da vida e espreita para os bairros da sina, com fome e com sede de cor e de som - e de luz!
Mas vai-se perdendo por ruas de ânsias; por travessas de angústia; por avenidas de frustração...
 
... e acaba acossada num beco grafitado de desilusão.
 
Lá está ela, a minha alma! Acocorada, na parede sem saída do seu desatino; está à espera do feitiço da lua ou da magia do sol...
Ou à espera que, simplesmente, se abra um buraco na parede para onde se esforriquem os seus desenganos.
 
(é sempre noite, na minha cabeça...)
 
O Poeta disse: «use o poema para elaborar uma estratégia de sobrevivência no mapa da sua vida».
 
Coitada da minha alma! Destrambelhou-se toda logo aqui, no mapa! 
 
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E continua a ser noite na minha cabeça.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016


(Nude Tea - Esther Horchner)
 
 
"Em silêncio, em silêncio
Vou para o meu quarto.
Deserto.
Deserto e nu, como o grande hall.
Esperando.
Esperando o homem que não regressa.
Resignadamente, tomo chá."
 
Poema de Wang Wei

domingo, 17 de janeiro de 2016

Uma memória da Casa de Ervelho

 
 Em Setembro, por altura das festas de S. Miguel, o patrono das colheitas, faziam-se as vindimas.

            Umas duas semanas antes, era a azáfama de tirar as pipas para fora da adega e lavá-las, bem como aos cestos e aos caixotes de carrego.

            Seguia-se a contratação dos jornaleiros, homens e mulheres; eles para subirem em escadotes para as parreiras altas e, depois também, para esmagarem as uvas; elas para vindimarem as vinhas baixas e equilibrarem, nos seus frágeis pescoços e sobre uma rodilha, os caixotes atulhados de uvas para a adega.

            Dentro da própria adega, lavavam-se os tonéis, em que depois se montaria o esmagador de uvas e a prensa do mosto.

            O processo era rudimentar, mas, ainda assim, o vinho verde branco da Casa de Ervelho era apreciado em algumas freguesias do concelho – talvez fosse das leiras com casta Alvarinho

            Vindimadas as uvas para os cestos, estes eram despejados para os caixotes que, depois, as mulheres carregavam equilibrados nas suas cabeças – que, penosamente, dançavam para a esquerda e para a direita, sob o imenso peso daqueles, fazendo lembrar os meneios das cabeças indianas – e seguiam em direcção à adega onde estavam os tonéis e o esmagador.

            Chegadas à adega, entregavam os caixotes ao homem que se encontrasse empoleirado no escadote, encostado ao tonel, que os despejava, gradualmente, dentro do esmagador, movendo, quase em simultâneo, a manivela dos cilindros que esmagavam as uvas, transformando-as em mosto.

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Tia Maria do Zé Magalhães entrou na adega, carregando na cabeça mais um caixote de uvas. Ficou espantada por não ver o seu Zé empoleirado no escadote, de serviço ao esmagador; mas observando atentamente o tonel, logo adivinhou a desgraça e, sem mais, largou a correr em direcção ao eido, onde o Avô vindimava.

            Defronte do Avô, ofegante pela corrida, lá conseguiu articular:

            - Aiii, Senhor Diogo… Aiii, o meu Zé… Ai, Senhor Diogo!...

            - O que foi, mulher?! Que tem o Zé?!

            - Aiii… O meu Zé… caiu na pipa!

            E lá foram todos, apressadamente, para a adega, a acudir ao Tio Zé Magalhães.

            O Avô chamou: - Zé? Zé?... Então, ouviu-se uma restolhada, vinda do interior do tonel e uma voz roufenha e irada gritou:

            - Foda-se! Caralho, Diogo, tira-me daqui!

            Um jornaleiro subiu ao escadote, enquanto outro, bem mais alto, empoleirou-se na trave que sustentava o tonel, e lá conseguiram ambos agarrar as pernas do homem tombado dentro do tonel e içarem-no para fora.

            O Tio Zé Magalhães, pequeno e tolhido, com os olhos esbugalhados, respirava com pressa de absorver todo o ar que pudesse – e escorria e fedia a mosto!...

            Não fora dessa!

Que o Tio Zé Magalhães, ainda, haveria de provar aquele vinho verde tinto nos merendeiros das colheitas seguintes…

            Aquele mesmo mosto que, durante três dias, haveria de repousar dentro das pipas grandes a fermentar. Uma vez de manhã e outra à noite, deitavam o vinho abaixo – com uma gadanha pequena empurrava-se o mosto na borda da pipa, forçando a volta para cima do mosto que se depositava no fundo dela.

            Por cima do espaço em que se encontravam essas pipas grandes, ficava o meu quarto. E as minhas manhãs eram, então, acordadas na envolvência daquele bouquet de mosto!

            Findos os dias da fermentação, o mosto era colocado na prensa, formada por tábuas de madeira estreitas.

Durante uma semana prensava-se e recolhia-se o vinho escorrido para a pia de pedra, assente ao nível do chão – essa pia que havia sido, dias antes, esfregada simplesmente com água e escova. Higienizada!? Sei lá!... Mas o vinho era afamado.

Esse líquido vermelho escuro - tão tinto que manchava a boca de vermelho! - era transportado nos cabaços para as pipas de armazenamento, que repousavam na outra adega fronteira.

            O mosto prensado era, depois, colocado dentro do alambique para se preparar a fabricação da aguardente, no cabanal. Mas isso, era lá para a primeira semana de Outubro, com as primeiras chuvas e a queda dos ouriços dos castanheiros.

            Incumbia-se o Feliciano dessa tarefa. Um homem novo, muito loiro e com olhos muito azuis, que desentaramelava a língua a uma velocidade impressionante, mas sempre com o coração quente e uma boa disposição contagiante!

            E tinha boa mão para fazer aquela aguardente bagaceira.

Sentava-se num banquinho baixo, frente ao alambique, aproveitando o fogo que o aquecia para assar algumas castanhas que, habilidosamente, retirara dos ouriços, e passava-mas, já menos quentes.

            Quando o líquido escorresse pelo tubo do tanque de água, assim formado pelo vapor do mosto saído do alambique, e apurado num fio de serapilheira cuidadosamente colocado na boca do tubo, a aguardente estava pronta e faltava só recolher todo esse líquido para os pipos.

            - Tininha, põe ali no fiozinho o teu dedo mindinho e prova… – disse-me o Feliciano, numa dessas ocasiões.

            Eu assim fiz; e depois de chupar o dedo mindinho, dei um estalido com a língua no céu-da-boca e… pedi mais.

            Tinha 5 anos de idade a acabava de provar a minha “primeira” aguardente!
 
(Valença, Setembro de 2008)
 
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terça-feira, 12 de janeiro de 2016



(Foto: celine)
 
 
Esperando...
 
... que as marés de pensamentos devolvam, à costa da lucidez,
 
a minha alma,
 
que anda navegando à deriva num mar de loucuras.