domingo, 26 de março de 2017




(Praia da Adraga - Sintra, Portugal)
(Fotos: celine)

«Dai-me, Senhor, a perseverança das ondas do mar, que fazem de cada recuo um ponto de partida para um novo avanço.»

(Gabriela Mistral, Prémio Nobel da Literatura em 1945)



domingo, 19 de março de 2017




O sol dos tempos
avivou,
na memória dos anos,
os teus traços
esculpidos
no meu retrato.
 
A chuva dos tempos
velou,
na memória dos anos,
o teu antagonismo
infundido
no meu humanismo.
 
Nos teus humores
rabiados, mas incólumes,
moldou-se esta filha;
sem raio que a dome!
 
Nas simples linhas
dos teus limpos desenhos
firmaram-se as letras
dos meus claros desejos.
 
E no olhar de arte,
a florear-te a mente,
afilhou-se o reflexo
da minha lente.
 
Que eu assim saiba ser
o teu sopro de vida
jazerino, a empalidecer
a tua morte,
 
Pai...


domingo, 5 de março de 2017

(DuckDive Surf School - Costa da Caparica)
(Foto: celine)
 
In the mood after surf…

Onde ides, guerreiros da espuma?
Esperai…

Ensinai-me essas lides do sal,

onde a alma adoça-se e ressuma

em vívida fé no cálice graal.
 
Onde ides vós, outros toreadores?
Voltai.
Ensinai-me esses volteios sensuais,
o corpo amansando os humores
a louvar-se em ondas celestiais. 
 
Vós não me ouvis?
Vinde… Vinde…
Guiai-me nesses swells subtis,
o vento soprando nos tubos da mente,
a adrenalina a pulsar, quente…

Pois não me ouvis?!
Vinde! Vinde! 
E lançai-me nessas boards alares,
ó Lanzarotes de mares!

Vós salvais-me?...
Que eu seja vossa - uma Guinevere!
(e entre as ondas que a vós chamais,
o meu amor vos enleve…)
 
Inspirai-me esse lado cool da vida,
na urgência de afogar uma morte
fingida.

Vinde.





quinta-feira, 2 de março de 2017

(Rio de Onor, Trás-os-Montes, Portugal)
(Foto: celine) 
 

Uma porta de madeira vermelha,

teimosa no devir branco

da urbanidade.

 

Informes e cruas pedras xistosas,

são brechas de aldeia no flanco

da modernidade.


(Vale da Vilariça, Trás-os-Montes - Portugal)
(Foto: celine)
 

Uma mancha negra

na seda cinza da cordilheira,

cega-me o espírito.
 

 Nimbos de silêncio azul

no zénite,

despertam-me o olhar.
 

 Repouso.


(Macedo de Cavaleiros, Trás-os-Montes - Portugal)
(Fotos: celine) 

Um carnaval português

Andava eu distraidamente embraseada com a câmara em punho quando…

… tau!

Levei com os chocalhos - assim, logo na primeira noite…

O costume era serem sempre rapazes. Hoje, alguns são tão jovens que figuram-se souvenirs de miniaturas de caretos. Já noutros, notam-se proeminências umbigadas sob a colorida roupagem.

Vestem-se com fatos feitos de grossas  e coloridas mantas de lã e cobertos, da cabeça aos pés, com franjas tricolores, os rostos iludindo-se atrás de máscaras de chapa pintada de vermelho - noutro tempo, eram de madeira e de couro, mas como por estes dias já ali não brincam artesãos lança-se mão da chapa da casa…

Diz-se que, durante os festejos, não podem tirar as máscaras para se lhes descobrir os rostos - são dois anos de azar!

A avaliar pelo número dos que zanzavam com os gorros descidos e as máscaras no topo da cabeça, Podence será, em breve, um abrigo de muitos homens com pouca sorte aos pares.

Sobre os fatos agarram-se, cruzados no peito ou atados à cintura, os cintos de sinetas e de chocalhos, que juntos compõem uma sinfonia endiabrada excitando os gritos guturais soltos nas vozes afinadas consoante o diapasão de cada careto.

E lá se soltam, também, os homens e os rapazes aos pulos, numa dança frenética e ruidosa, para baixo e para cima nas ruelas de Podence, à caça de raparigas - dantes mimosas e solteiras, agora apenas desabusadamente distraídas…

Quando caçam alguma, abraçam-na pelos ombros e num swing de ancas sacodem os chocalhos investindo em cima dela. Diz-se tratar-se de um ritual de fertilidade…

Aos homens batem-lhes repetidamente nas cabeças com a ponta final da trança do colorido gorro.

E as travessuras grotescas da tradição?!... E as chacotas abusadas do passado?!...

Encontram-se como o cenário transmontano de algumas casinhas de informes pedras xistosas e cruas, com vãos esventrados pela fome corrosiva das ervas daninhas, despencando-se em vidros, pregos e tabuinhas - em suma, caíram por desuso.

Ruelas abaixo… Ruelas acima… a chocalhar; à parte esse swing chocalheiro, nos dias de hoje, o terreiro do Carnaval de Podence parece estar privilegiadamente reservado para as selfies das raparigas (elas sim!) bem agarradas aos caretos.

É um arraial de cores e de graça, com muito pitoresco, para se arrolar no Inventário Nacional do Património Imaterial Cultural português, e justificar rasgar os mais de quatrocentos quilómetros de asfalto entre Lisboa e Macedo de Cavaleiros.

Mas aspirando a desfilar na passadeira vermelha do Património Mundial… hummm… será bem avisado ajeitar as pedras de xisto, botar portas e janelas nos vãos, assar bom butelo e cozer mais cascas, achincalhando melhor o Entrudo e sempre, mas sempre, a chocalhar freneticamente as ancas.

Até lá...
... Entrudo queimado, Carnaval acabado!