quinta-feira, 2 de março de 2017

(Macedo de Cavaleiros, Trás-os-Montes - Portugal)
(Fotos: celine) 

Um carnaval português

Andava eu distraidamente embraseada com a câmara em punho quando…

… tau!

Levei com os chocalhos - assim, logo na primeira noite…

O costume era serem sempre rapazes. Hoje, alguns são tão jovens que figuram-se souvenirs de miniaturas de caretos. Já noutros, notam-se proeminências umbigadas sob a colorida roupagem.

Vestem-se com fatos feitos de grossas  e coloridas mantas de lã e cobertos, da cabeça aos pés, com franjas tricolores, os rostos iludindo-se atrás de máscaras de chapa pintada de vermelho - noutro tempo, eram de madeira e de couro, mas como por estes dias já ali não brincam artesãos lança-se mão da chapa da casa…

Diz-se que, durante os festejos, não podem tirar as máscaras para se lhes descobrir os rostos - são dois anos de azar!

A avaliar pelo número dos que zanzavam com os gorros descidos e as máscaras no topo da cabeça, Podence será, em breve, um abrigo de muitos homens com pouca sorte aos pares.

Sobre os fatos agarram-se, cruzados no peito ou atados à cintura, os cintos de sinetas e de chocalhos, que juntos compõem uma sinfonia endiabrada excitando os gritos guturais soltos nas vozes afinadas consoante o diapasão de cada careto.

E lá se soltam, também, os homens e os rapazes aos pulos, numa dança frenética e ruidosa, para baixo e para cima nas ruelas de Podence, à caça de raparigas - dantes mimosas e solteiras, agora apenas desabusadamente distraídas…

Quando caçam alguma, abraçam-na pelos ombros e num swing de ancas sacodem os chocalhos investindo em cima dela. Diz-se tratar-se de um ritual de fertilidade…

Aos homens batem-lhes repetidamente nas cabeças com a ponta final da trança do colorido gorro.

E as travessuras grotescas da tradição?!... E as chacotas abusadas do passado?!...

Encontram-se como o cenário transmontano de algumas casinhas de informes pedras xistosas e cruas, com vãos esventrados pela fome corrosiva das ervas daninhas, despencando-se em vidros, pregos e tabuinhas - em suma, caíram por desuso.

Ruelas abaixo… Ruelas acima… a chocalhar; à parte esse swing chocalheiro, nos dias de hoje, o terreiro do Carnaval de Podence parece estar privilegiadamente reservado para as selfies das raparigas (elas sim!) bem agarradas aos caretos.

É um arraial de cores e de graça, com muito pitoresco, para se arrolar no Inventário Nacional do Património Imaterial Cultural português, e justificar rasgar os mais de quatrocentos quilómetros de asfalto entre Lisboa e Macedo de Cavaleiros.

Mas aspirando a desfilar na passadeira vermelha do Património Mundial… hummm… será bem avisado ajeitar as pedras de xisto, botar portas e janelas nos vãos, assar bom butelo e cozer mais cascas, achincalhando melhor o Entrudo e sempre, mas sempre, a chocalhar freneticamente as ancas.

Até lá...
... Entrudo queimado, Carnaval acabado! 

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