Não é Kafka. É Celine.
Não temos a pretensão de escrever um artigo de opinião sobre um (terrível) fenómeno humanitário que afronta os nossos dias; apenas registar uma nota que (quem sabe!) dê a volta à chave - não da "caixa de Pandora" que é o tema dos direitos humanos - de portas que se abram ao debate, numa época em que o senso comum parece escapar à reflexão, necessário pressuposto da decisão política.
Observando estes dramas migratórios, que vêm perturbando o mundanismo da Velha Senhora - e não deixa de nos impressionar o contraste do convergente voluntarismo europeu no cotejo de uma crise financeira e a conflagração da mesma Europa no confronto da crise humanitária... - ocorre-nos (re)pensar a fragilidade do HOMEM, a fragilidade da CONDIÇÃO HUMANA, retornando a reflexão para a literária corrosão da amargura em MALRAUX e para a filosófica constância do movimento em ARENDT.
Esse cenário dramático, convoca-nos, prima facie, para uma outra VIAGEM; um movimento em direcção à negritude que pode ser a condição do HOMEM - "Viagem até ao fim da noite", de CELINE, de que transcrevemos o seguinte trecho:
"E quem iria depois julgar-me? Tipos especializados, armados com leis terríveis extraídas não sei de onde, tal como no Conselho de Guerra, e cujas verdadeiras intenções nunca nos são reveladas, que se divertem em nos fazer sangrar, a trepar o verdadeiro pico que dá para o inferno, o caminho que leva os pobres ao matadouro. A lei é o grande luna-parque do sofrimento. Quando o miserável se deixa apanhar, séculos e séculos mais tarde ainda o ouvimos gritar".
Fica o mote...
Terminamos com uma prosódia, sabendo-se que a música, muitas vezes, serve melhor à assertividade da palavra.
Me llaman el desaparecido
que cuando llega ya se ha ido
volando vengo, volando voy
deprisa deprisa a rumbo perdido
cuando me buscan nunca estoy
cuando me encuentran yo no soy
el que está enfrente porque ya
me fui corriendo más allá
me dicen el desaparecido
fantasma que nunca está
me dicen el desagradecido
pero esa no es la verdade
yo llevo en el cuerpo un dolor
que no me deja respirar
llevo en el cuerpo una condena
que siempre me echa a caminhar
me llaman el desaparecido
que cuando llega ya se ha ido
volando vengo, volando voy
deprisa deprisa a rumbo perdido
yo llevo en el cuerpo un motor
que nunca dejade rolar
yo llevo en el alma un caminho
destinado a nunca llegar
me llaman el desaparecido
cuando llega ya se ha ido
volando vengo, volando voy deprisa deprisa a rumbo perdido
perdido en el siglo... siglo XX... rumbo al XXI.
(Lisboa, 25 de Setembro de 2015)
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