quarta-feira, 16 de dezembro de 2015



Não é Kafka. É Celine.

Não temos a pretensão de escrever um artigo de opinião sobre um (terrível) fenómeno humanitário que afronta os nossos dias; apenas registar uma nota que (quem sabe!) dê a volta à chave - não da "caixa de Pandora" que é o tema dos direitos humanos - de portas que se abram ao debate, numa época em que o senso comum parece escapar à reflexão, necessário pressuposto da decisão política.

Observando estes dramas migratórios, que vêm perturbando o mundanismo da Velha Senhora - e não deixa de nos impressionar o contraste do convergente voluntarismo europeu no cotejo de uma crise financeira e a conflagração da mesma Europa no confronto da crise humanitária... - ocorre-nos (re)pensar a fragilidade do HOMEM, a fragilidade da CONDIÇÃO HUMANA, retornando a reflexão para a literária corrosão da amargura em MALRAUX e para a filosófica constância do movimento em ARENDT.

Esse cenário dramático, convoca-nos, prima facie, para uma outra VIAGEM; um movimento em direcção à negritude que pode ser a condição do HOMEM - "Viagem até ao fim da noite", de CELINE, de que transcrevemos o seguinte trecho:

"E quem iria depois julgar-me? Tipos especializados, armados com leis terríveis extraídas não sei de onde, tal como no Conselho de Guerra, e cujas verdadeiras intenções nunca nos são reveladas, que se divertem em nos fazer sangrar, a trepar o verdadeiro pico que dá para o inferno, o caminho que leva os pobres ao matadouro. A lei é o grande luna-parque do sofrimento. Quando o miserável se deixa apanhar, séculos e séculos mais tarde ainda o ouvimos gritar".

Fica o mote...

Terminamos com uma prosódia, sabendo-se que a música, muitas vezes, serve melhor à assertividade da palavra.


Me llaman el desaparecido

que cuando llega ya se ha ido

volando vengo, volando voy

deprisa deprisa a rumbo perdido

cuando me buscan nunca estoy

cuando me encuentran yo no soy

el que está enfrente porque ya

me fui corriendo más allá

me dicen el desaparecido

fantasma que nunca está

me dicen el desagradecido

pero esa no es la verdade

yo llevo en el cuerpo un dolor

que no me deja respirar

llevo en el cuerpo una condena

que siempre me echa a caminhar

me llaman el desaparecido

que cuando llega ya se ha ido

volando vengo, volando voy

deprisa deprisa a rumbo perdido

yo llevo en el cuerpo un motor

que nunca dejade rolar

yo llevo en el alma un caminho

destinado a nunca llegar

me llaman el desaparecido

cuando llega ya se ha ido

volando vengo, volando voy deprisa deprisa a rumbo perdido

perdido en el siglo... siglo XX... rumbo al XXI.
 
(Lisboa, 25 de Setembro de 2015)

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